Rio de Encontros encerra ano de atividades com tarde dedicada à arte.

Sarau “Artes do Encontro no Mar Aberto” teve participação de 10 artistas e 2h30 de duração

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Uma tarde de atividades artísticas marcou o encerramento do Rio de Encontros 2018. Batizada de “Artes do Encontro no Mar Aberto” , o evento mobilizou 10 artistas e atraiu um público diversificado ao pilotis do Museu de Artes do Rio (MAR) no último dia 13. O sarau fez parte da programação do do Fórum #Maraberto, iniciativa vinculada à exposição “Arte Democracia Utopia”.

Quem esteve no local na ocasião pode presenciar a produção de retratos pela designer e artista gráfica Thais Linhares, uma batalha de MCs ao vivo comandada por Fernando Espanhol e um show de stand-up de Rodrigo Diomar, entre outras atrações. A performance “Crônica de uma performance anunciada”, de Marcelo Ostachevski, arrancou aplausos do público, que se emocionou em seguida com a poesia da Gênesis, vencedora do Slam das Minas, e a leitura pela contadora de histórias Thamires Soares de trechos do livro “Quarto de Despejo”, de Carolina Maria de Jesus. Ao fim, todos  participaram de um aulão aberto de charme comandado por Felipe Salsa.

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Juventude, Democracia e Participação Política na Cidade foi o foco das seis rodas de conversa do Rio de Encontros ao longo de 2018. De acordo com Ilana Strozenberg, diretora acadêmica d’O Instituto, os debates deixaram duas grandes lições para todos os participantes. A primeira é a ideia de que só existe democracia quando as diferenças convivem e dialogam. A segunda é a de que não existe arte que não seja política.

“É a presença de iniciativas como a de vocês que dá sentido ao projeto desse museu”, agradeceu Bruna Camargo, representante do departamento educativo do MAR.

Reveja vídeos que marcaram o Rio de Encontros em 2017

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Davi Marcos: integrante da turma 2017 foi autor de filmes exibidos em diversos encontros

Os vídeos marcaram a temporada 2017 do Rio de Encontros. Feitas por integrantes da turma, diversas imagens marcaram os participantes da roda de conversa nos sete encontros ao longo do ano. Reveja a seguir algumas das mais marcantes: Continuar lendo

Turma do Rio de Encontros faz perguntas tão boas quanto alunos em Berkeley, diz Janice Perlman

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Janice Perlman na 2ª edição do Rio de Encontros (Thiago Brito/ESPM)

A socióloga americana Janice Perlman já deu aulas em cursos de pós-graduação nas universidades da Califórnia e de Berkeley, nos Estados Unidos. Ela acompanhou a 2ª edição do Rio de Encontros em 2017, que discutiu o tema “O que é ser jovem no Rio de Janeiro?” e ficou encantada com o que viu. “as perguntas que ouvi no Rio de Encontros eram iguais ou melhores do que aquelas feitas pelos meus alunos no exterior”, afirmou a pesquisadora em entrevista ao blog do Rio de Encontros.
Confira os melhores momento da conversa:
Qual foi sua impressão do Rio de Encontros?

São eventos inspiradores pela heterogeneidade do público, com gente diferentes locais, cores e idades. No evento com o tema “O que é ser jovem no Rio de Janeiro?”, os convidados falaram coisas interessantes, mas não responderam à pergunta principal. Em qualquer cidade, ser jovem é sempre um desafio. Trata-se de definir quem você é sobre pressão e criar sua própria imagem. O formato da sala foi excelente, com todas as cadeiras em círculo e funcionou super-bem. Ele quebrou a distância entre os especialistas e os espectadores, que conheciam de fato o tema do evento.

Você considera importantes iniciativas como o Rio de Encontros? Por quê?

Acho importante por reunir gente de todas as áreas do Rio. Outro ponto interessante são as falas competentes e autoconfiantes da turma, que tem segurança de si. O terceiro aspecto que me chama atenção é ver nordestinos e negros discutindo lugar de fala com honestidade. Surgiram perguntas maravilhosas e nenhuma delas com raiva ou intenção de humilhar, apesar de sérias e duras. Dei aulas em cursos de pós-graduação nas universidades da Califórnia e de Berkeley e as perguntas que ouvi no Rio de Encontros eram iguais ou melhores do que aquelas feitas pelos meus alunos no exterior.

Qual é o foco da sua pesquisa atual?

Minha pesquisa aborda o impacto dos megaeventos no Rio e tem financiamento da Thinker Foundation, uma fundação que acompanha questões ligadas a políticas públicas. Comecei em 2015 e passei os primeiros dois anos tentando entender a esperança que antecedeu Copa e Olimpíadas. Pude ver como as políticas e a esperança de inclusão e sustentabilidade nesse período foram se desmanchando. Mas, desde o começo, fiquei impressionada com a criatividade dos jovens de favela em meio ao colapso. Houve uma tentativa da parte deles de criar um imaginário positivo em relação às comunidades.

Quais as principais conclusões que seus estudos geraram até o momento?

Sob a noção de que está tudo ruim, há uma vida plena de cores e movimentos surgindo com os jovens. Eles têm mais acesso a universidades, teatros, museus e se valem de grafite, literatura e outras linguagens para se expressar. Quase toda comunidade tem uma iniciativa assim hoje. Também admiro a emergência da noção de metropolitano, no lugar do municipal. Ela representa um processo em sintonia com o Rio que queremos. A bala perdida e o abuso de direitos civis não são capazes de matar a esperança. Apesar de tudo, as pessoas conseguem trabalhar pensando em um futuro melhor para si.

Que transformações você percebeu na sua área de estudo desde sua primeira visita ao Rio? Por que você acredita que essas mudanças aconteceram?

Vim ao Rio pela primeira vez em 1968. Era uma época em que ninguém tinha voz. Muitos não sabiam diferenciar direitos de deveres. As pessoas diziam “eu tenho direito de obedecer o governo”. Nas favelas, mais de 90% das mulheres eram analfabetas, assim como 74% dos homens. Na geração dos filhos dessas pessoas, só 6% eram analfabetos e, na dos netos, 0% não sabia ler e 11% já estavam na universidade. É uma situação muito diferente, que resulta em reivindicações muito diferentes. Entretanto, esse movimento de inclusão na sociedade de consumo não representou aumento da cidadania. Se antes eles tinham medo de perder a casa, hoje têm medo de perder a vida ou um parente.

Qual será o tema do seu próximo livro?
Pretendo abordar a importância de ser gente. Se todos no Rio fossem tratados como tal, haveria menos violência, mais mobilização social e novas ideias em cultura, educação e outras áreas. O grande desafio do momento não é o imediato, o Fora Temer, mas sim organizar esse novo contrato social, com foco no respeito às diferentes cores, raças, idades e estilos de vida, que nas favelas são muito importantes. Durante a minha pesquisa, vi pessoas com dinheiro que não saíam de suas comunidades por conta desse estilo de vida. O Rio perderia muito se acabasse com isso, porque é esse estilo de vida que faz dele uma cidade maravilhosa. Na abertura das olimpíadas, quem dançava, pulava e fazia a graça do espetáculo não era o Corcovado ou o Pão de Açúcar, mas as pessoas das favelas. Ao mesmo tempo, esses mesmos moradores são vítimas de maus tratos. Tudo isso é muito paradoxal. O que faz do Rio uma atração do turismo mundial é a cultura que sai da favela. Sufocá-la é contra-produtivo.

 

Novo formato do Rio de Encontros agrada convidados

Debate com provocadores protagonistas cede espaço para roda de conversa em que todos têm o direito de falar

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Plateia acompanha a 3ª edição do Rio de Encontros em 2017 (Thiago Brito/ESPM)

Uma novidade do Rio de Encontros em 2017 vem recebendo elogios de todos os que têm participado da série de diálogos. Trata-se do novo formato, em que o debate com os convidados – no evento, sempre denominados “provocadores” – cede espaço para uma roda de conversa, em que a palavra circula entre todos os participantes. Continuar lendo

Debate “Caminhos para o Rio: economia criativa e cultura maker” em frases

O convidado Batman Zavareze provoca plateia para pensar a cidade de forma criativa. Foto: Davi Marcos (Imagens do povo)

O convidado Batman Zavareze provoca plateia para pensar a cidade de forma criativa. Foto: Davi Marcos (Imagens do povo)

Natural que as questões sobre “como fazer” tenham sobressaído nas perguntas durante o debate que se seguiu à apresentação de Gabi Agustini e Batman Zavareze, convidados para falar do tema Cultura Maker. Mas além de saber mais sobre o caminho das pedras, muitas ideias e reflexões sobre o Rio, as conexões e formas de convivência marcaram o último Rio de Encontros de 2015. Algumas delas estão destacadas nas frases a seguir:

MÚLTIPLAS TROCAS

Admiro muito todas as tentativas de diálogos da cidade”, Gabi Agustini

O Rio de Encontros para mim foi uma oportunidade de poder olhar criatividade, foco, necessidade. Me senti inspirado por eles. Tivemos seis encontros, com temas como inovação, audiovisual, visões inaugurais… Pude ser bombardeado por pessoas e pesquisas maravilhosas. Na real: quem aprendeu nessa história fui eu” – Giovani Marangoni

O processo de montar uma máquina é mais importante do que o resultado.
Esse espaço não é sobre as máquinas ou as ferramentas, mas sobre as pessoas em conjunto construindo coisas” – Gabi Agustini. 

Quando a gente começa esse projeto em Honório Gurgel, a gente não levou nada para lá e encontrou coisas que a gente acha super interessantes. A ideia é encontrar as potências criativas e dar visibilidade ao lugar onde a gente mora” – Victor Hugo Rodrigues

Como fazer para não trabalhar só com jovem de classe média que estudou no São Vicente? Como você incorporou o pessoal de periferia?” – Silvia Ramos

A RIQUEZA DO LIXO

O componente do lixo é bastante central na nossa atuação. Fazer não diz respeito a algo novo, mas também a transformar algo que já existe, criando algo novo em cima” – Gabi Agustini

Na Colônia Juliano Moreira sempre aproveitamos o lixo. O Bispo do Rosário utilizava o lixo. Lixo não é para jogar fora. É para reutilizar”, Bruna Rios

PERIFÉRICOS CONECTADOS

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A convidada Gabi Agustini fala sobre seu trabalho no Makerspace ‘Olabi’. Foto: Davi Marcos (Imagens do Povo)

As tecnologias não são neutras. As funções embutem comportamentos culturais” – Gabi Agustini

A gente é da periferia e não se via representado em nenhum lugar. Por isso criamos a TV Hare, que é uma web emissora. A gente não depende de grandes equipamentos e criamos a primeira web novela do mundo, Geminies. Temos 3 milhões de acesso e como tudo é legendado, por causa da qualidade do som, temos um público deficiente auditivo muito grande” – Denise Kosta

Nosso papel é auxiliar organizações sociais relevantes, trazer olhar da tecnologia e o que está por trás para que se potencialize e transforme a cidade em um lugar mais humano, justo e bom para todos” – Gabi Agustini 

MEIOS E MENSAGENS

Máquinas para laboratórios caseiros geram autonomia para as coisas que estão nas bordas, nas periferias, no sentido amplo. A gente vem estimulando essa criação e trabalhando com parceiros no eixo sul, tentando mostrar ao norte que existe muita coisa importante produzida aqui. É preciso trazer diversidade para esse discurso” – Gabi Agustini

Qual o conselho que você daria pra gente estimular a criatividade?” – Luiz Gustavo

Quando eu estava na faculdade, desejei muito trabalhar com um cara, que era o Gringo Cardia, que fazia várias coisas nos anos 90. Quando tive oportunidade, a primeira coisa que ele me pediu foi pegar uma vassoura e varrer o palco. Naquele momento, entendi que a melhor coisa para ser criativo é ser comprometido. Tem que ter comprometimento. O resto é estrada. A gente vai errando e aprendendo” – Batman Zavareze

Queria saber o que você quer dizer para o mundo com o que você produz. Qual é a interação de sentimento, que faz seu trabalho ser o que é?” – Diogo Rodrigues

Meu objetivo é ser grande. Na impossibilidade de mudar o Brasil, quero mudar o Rio, me envolver em projetos que tenham impacto, que sejam bom pra mim e pra todo mundo” – Batman Zavareze 

Vamos perder o medo das caixas pretas” – Gabi Agustini

ADMINISTRAR TEMPO, CRIATIVIDADE

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O músico Eddu Grau também esteve presente na plateia Rio de encontros. Foto: Davi Marcos (Imagens do Povo)

Como você trabalha o seu eu? Às vezes me sinto sobrecarregado… Como você faz para não ter problema de estômago, estresse?” – Eddu Grau

Acho que a gente tem que ser totalmente emocional para compensar a avalanche de razão que cobre a vida. Não quer dizer que não vai colocar emoção na dose certa, no momento certo. Se a gente competir com o robô, a gente vai perder. Só que eu nunca vou deixar um robô me ganhar” – Batman Zavarese 

Para mim, é difícil gerenciar o que resolver primeiro, e o que resolver depois. Como você lida, separa e classifica os desafios?” – Priscilla Alves de Moura

Aqui eu mostrei uma sequência encapsulada de sucessos. Mas a vida não é isso. A gente vive numa montanha russa danada” – Batman Zavareze 

Criatividade e inovação são coisas diferentes. Criativos todos somos. Inovação é questão de obstinação? Quando foi que você entendeu o seu processo criativo? Você lembra o momento em que o desenvolveu?” – Renata Codagan

Tem uma discussão grande sobre se a criatividade nasce da necessidade ou do foco. Música é muito bom para pensar sobre isso: você não inventa o novo, mas consegue fazer novas combinações, que produzem coisas novas” – Giovani Marangoni

Se eu tiver que aprender, não tenho medo não” – Batman Zavareze

O MOMENTO DA CIDADE

Aqueles meninos eram pra estar aqui com a gente. Nossos pensamentos hoje vão pra esses meninos, essas famílias, esse movimento que está no Parque Madureira”, Silvia Ramos

Esse trabalho começou para sair da crítica e chegar na ação. Moro na região de atuação do Batalhão da Morte, como é conhecido o 9º BPM. Honório Gurgel é separado de Costa Barros, onde os cinco jovens foram fuzilados pela PM, por apenas um bairro, Barros Filho” – Victor Hugo Rodrigues

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Turma 2015 encerra o ciclo de debates do ano. Foto: Davi Marcos (Imagens do povo)

O olhar estrangeiro na construção da cidade maravilhosa

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Foto: Thiago Diniz (Imagens do povo)

ISABELA PERROTA ressalta o papel dos viajantes na definição sobre os símbolos do Rio. Foi o olhar estrangeiro que primeiro nos ensinou a admirar as belezas da cidade. “Os primeiros pintores europeus que retrataram o Rio nos ensinaram que a cidade era linda”, afirma a designer e historiadora Isabela Perrota, professora da ESPM e uma das provocadoras do Rio de Encontros sobre Utopias da Cidade Maravilhosa. Com um estudo sobre os símbolos da cidade que se converteram em marcas reproduzidas em produtos variados, Isabela Perrota falou sobre a força que a paisagem adquiriu no imaginário do Rio. “A Cidade Maravilhosa é uma construção histórica e social que a gente aceitou muito bem”, disse ela, ressaltando o orgulho que o morador tem da paisagem da cidade em que vive. “Desde sempre nós cariocas incorporamos isso. Quantas pessoas que nunca saíram do Rio dizem que moram na cidade mais bonita do mundo?”, destacou Isabela, lembrando que embora sua origem seja questionada – Coelho Neto reivindicava sua criação –, foi também uma estrangeira que tornou conhecida no mundo a expressão Cidade Maravilhosa. Provavelmente inspirada por João do Rio, a quem conheceu pessoalmente, Jane Catulle Mendès, neta do escritor francês Victor Hugo, publicou em 1912 La Ville Merveilleuse, livro de poemas escrito após uma visita ao Rio de Janeiro, alguns anos antes.

O fato é que o epíteto está associado à paisagem natural do Rio de Janeiro e, como ressaltou Isabela, antes mesmo de a expressão ter sido chancelada, já existia o conceito da cidade maravilhosa, em função da exuberância da paisagem. Nesse contexto, o Pão de Açúcar é um dos símbolos mais utilizados como marca do Rio de Janeiro – transformado em código de barras, bolsa, campanha política, logomarcas variadas. Segundo dados apresentados por Isabela, os outros símbolos bastante utilizados são o calçadão de Copacabana, a junção das montanhas do Rio e, em quarto lugar, o desenho do calçadão de Ipanema, cada vez mais popularizado. “A gente patrimonializa a cidade”, resume Isabela, que em 2014 foi curadora de uma exposição no Centro Carioca de Design sobre a história do souvenir no Rio de Janeiro. Substituindo as antigas esculturas em pedras semipreciosas, que já foram o símbolo maior das recordações turísticas do Rio de Janeiro e do Brasil, os souvenirs do Rio são associados às paisagens naturais e têm aberto espaço cada vez mais para imagens associadas também às favelas. “De duas décadas para cá, a turistificação das favelas contribuiu também para sua patrimonialização”, disse, explicando os dados.

O interesse pelo exótico é o que sempre atraiu o olhar estrangeiro para o Rio de Janeiro. “Por que o Rio fez tanto sucesso no século 19? Porque era muito diferente”, diz ela, para quem a mesma lógica funciona agora, em relação ao fluxo turístico nas favelas. Isabela ressalta que o uso dos símbolos da Cidade Maravilhosa não se restringe apenas ao visitante da cidade. “A ideia de que sou carioca e amo o Rio é tão forte que a ideia do souvenir hoje está incorporada no uso do próprio carioca”.

Em busca da cidade que já existe

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WASHINGTON FAJARDO destaca o papel das ciências urbanísticas na construção da cidade mais real e menor utópica “Queria trazer para vocês a perspectiva de alguém que trabalha a cidade sob o ponto de vista de seu valor histórico”, pontuou Fajardo, logo no início de apresentação, em que fez uma crítica à ideia de utopia, jogando luz sobre a ciência urbanística, que, para ele, “ainda está na sua forma inicial”, fazendo uma analogia aos primeiros experimentos de colocar a imagem em movimento, feitos no início do século passado pelo fotógrafo inglês Eadweard Muybridge. “A forma desenvolvida e mais bem acabada do planejamento urbano ainda está para acontecer porque a gente ainda está conhecendo e entendendo a cidade e seus movimentos”, comparou o arquiteto e urbanista, presidente do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade, órgão da Prefeitura do Rio para o patrimônio cultural do município. Com os pés fincados na realidade, Fajardo recorreu a dados diversos e concretos para falar sobre a complexidade de problemas e soluções para uma cidade como o Rio de Janeiro, de escala metropolitana. E concentrou sua análise na região central da cidade, teoricamente tida como região consolidada, segundo o Plano Diretor, mas que guarda vários desafios para a administração municipal, que poderiam ser mais bem avaliados, monitorados e resolvidos se houvesse, por exemplo, mais pessoas morando no Centro, em seus sobrados bem conservados e subutilizados para este fim. Fajardo fez uma ponte entre o passado da cidade o momento de transformação pelo qual o Rio e seus moradores estão passando neste momento, com as mudanças urbanísticas profundas na região central, com a derrubada da Perimetral, por exemplo. “A gente vai ter uma mobilidade nova no Centro do Rio com o VLT, que vai circular por essa nova frente marítima, podendo aumentar a coesão entre os espaços culturais do Centro. É uma oportunidade boa para a cidade, e traz uma perspectiva nova para nossa relação com a cidade”, defendeu Fajardo, lembrando que a ideia do Rio como cidade de praia surgiu no século 20, com a ocupação da região litorânea. “Até então, era uma cidade de porto, dedicada à Baía de Guanabara, à sua vida histórica e cultural”.

Mais ciência e menos utopia para lidar com a cidade conectada a outras cidades e com fluxo de informação contínuo, manejar uma cidade da dimensão do Rio de Janeiro exige esforço. “O ato de atravessar uma rua envolve o esforço coordenado de 18 órgãos diferentes: o que pinta a faixa de pedestre, o que pavimenta a calçada, o que faz o calçamento da rua, o que planta a árvore, o que poda, o que faz a iluminação pública, o que planeja os sinais, o que controla o trânsito, o que cuida da segurança… E por aí vai. As cidades funcionam dessa maneira, há bastante tempo no mundo. É preciso aumentar o conhecimento sobre como isso é gerenciado”, disse Fajardo, que insistiu bastante na necessidade de criar mecanismos de gerenciamento e monitoramento do planejamento urbano da cidade – uma questão complexa, e nada utópica. Para ele, as tecnologias de informação têm papel fundamental para o conhecimento maior da cidade e sua gestão – e, segundo ele, o uso de todo o potencial desses recursos tem sido muito maior no campo, em áreas rurais, onde drones controlam maquinário e as tecnologias de geo-referenciamento são muito mais avançados que no espaço urbano. “A cidade produz na gente uma soberba sobre conhecimento e nossa onipotência, e isso é falso”, disse Fajardo.

Fajardo fez um histórico sobre viver nas cidades, um processo iniciado há seis mil anos, que envolveu um aprendizado sobre controle de território, infraestrutura, recursos hídricos, que encontrou seu momento de explosão no final do século 19, com a industrialização. É o momento de crescimento absurdo das cidades e da consequente necessidade de ordenar o espaço, em função do adensamento demográfico, quando surgem as ciências urbanísticas, para equacionar os problemas que iam surgindo. “A ideia de embelezamento, do território belo, surge a partir daí”, diz. Barcelona, Paris e Viena são exemplos de soluções de cidade que surgem e influenciam o mundo inteiro – inclusive o Rio de Janeiro. O desenvolvimento amplia a vida da cidade: com a luz elétrica, a cidade passa a poder existir 24 horas por dia. “Outros valores vão surgindo, como o conforto, a mobilidade, as questões sociais, até a gente começar a tratar a cidade como um conteúdo próprio”, historiou Fajardo, apontando para uma semelhança cada vez maior entre as cidades, num futuro bem próximo. “As cidades do planeta serão muito mais parecidas em 2030 com as latino-americanas, africanas e asiáticas”, disse, mostrando as projeções sobre crescimento populacional mundial. “Os nossos desafios serão os desafios do mundo”, acredita o convidado, para quem o Rio de Janeiro tem qualidades e, por isso pode ter um papel interessante para responder a esses desafios, “de maneira não utópica”. “Isso atrapalhou muito a gente na nossa história”, sentenciou. “A melhor cidade que existe é a cidade que existe”, diz, rejeitando a ideia de que “a melhor cidade está num plano utópico”. “A cidade que a gente já tem hoje é plena de soluções para as questões econômicas, sociais e culturais”, acredita. “A gente não valoriza a cidade que temos, porque acreditamos que a que vamos fazer é melhor”, critica.

Velocidade e amplitude: o carro na origem do plano da cidade “O plano que mais influenciou as cidades no século 20 tinha na sua origem a ideia de dar espaço para o carro e nenhuma outra cidade como a nossa acreditou de uma maneira tão intensa nisso”, disse Fajardo, referindo às propostas de reforma de Paris, feitas em 1923 pelo arquiteto franco-suíço Le Corbusier, no chamado Plano Voisin, apontado como fundador do pensamento urbanístico no século 20. Amigos de Santos Dumont, os irmãos Voisin, empresários industriais, faziam… carros. “A gente fez nossa cidade dessa maneira e trouxe dois valores territoriais importantes: a ideia de velocidade e a de amplitude”, citou. “São valores presentes até hoje e a gente acha isso bom, e isso vira capital político. Quero questionar essas duas ideias”.

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Para demonstrar o que dizia, Fajardo apresentou o plano criado por Reidy para a Esplanada de Santo Antônio, onde fica a Avenida Chile, com edifícios de autarquias da então capital da República. Fajardo aponta problemas de gestão urbana daquela região. “Da Escola de Música da UFRJ até a Rua da Carioca são 930 metros sem fachada. Como você gere um lugar que não tem fachada, que não tem pessoas?”, pontua. É preciso questionar conceitos para discutir a cidade com suas questões contemporâneas. Sendo assim, Fajardo, em vez de falar sobre transporte público prefere adotar a expressão mobilidade sustentável, que inclui a ideia de diferentes tipos de transporte para o deslocamento pela cidade. “Do ponto de vista econômico, a gente também fala no plano utópico: a gente acredita no pré-sal de maneira absoluta para resolver todos os nossos problemas, o que não vai acontecer. Há uma trama de negócios urbanos que duram 100 anos, como pequenos bares e restaurantes, e a gente não presta atenção neles”, comparou, lembrando que a prefeitura desenvolveu com o Sebrae uma série de iniciativas voltadas para esse tipo de pequeno comércio tradicional, que resiste no tempo.

Planejamento ou agenciamento urbano: novas abordagens sobre a cidade “Esse raciocínio utópico e funcionalista da cidade não é só dos urbanistas: a sociedade brasileira aderiu a ele, desejamos isso para nossa cidade. Esse valor organiza a lógica de planejamento urbano. Arquitetos e urbanistas, historicamente, ainda reptem que é isso que vai resolver as cidades. Planejamento urbano é o meio pelo qual a gente pode chegar a gente pode chegar a algum resultado. Então a gente precisa falar do resultado, que é produzir uma boa cidade. E o que é uma boa cidade? Na hora que a gente desloca o foco do debate sobre planejamento urbano e não está discutindo a boa cidade, a gente não sabe onde quer chegar, ou chega nesses momentos funcionalistas que acho equivocados e que têm influenciado ainda nossa lógica urbana. Nós estamos ainda bebendo na fonte da utopia sobre as cidades e acho isso muito perigoso, porque a gente não olha para a cidade boa que a gente já tem”.

Para Fajardo, partindo do princípio que a cidade já tem qualidades, a questão é como fazer para cuidar dela, de seus diversos pequenos problemas, num “manejo de sistema complexo”. Citou, por exemplo, a possível destinação de sobrados do Centro do Rio para moradia, o que poderia melhorar a vida da região, onde imóveis em bom estado de conservação são subutilizados, mantidos vazios pelos proprietários. Moradias no Centro poderiam ajudar a melhorar os cuidados com o Centro. “A gente precisa ter uma visão sistêmica sobre a realidade da cidade”, diz, explicando o que define como “agenciamento urbano”, que é a criação de metodologias para lidar com a cidade que existe.

O urbanista insistiu nas medidas práticas para solução de problemas complexos da cidade, no lugar das ideias mais teóricas – e utópicas. “Uma rua organizada é uma rua boa para todo mundo”, resumiu. “Entendo que a gente afasta esse tipo de valor se pensa na cidade apenas na lógica do planejamento urbano e não do agenciamento urbano”, disse. Outro valor importante citado por Fajardo é do que ele chama de “andabilidade”. “A gente fala pouco disso, que é o valor de andar na cidade, e ainda não trata a calçada como uma infraestrutura necessária”, disse, ressaltando que as calçadas são lugares de encontro importante para a vida da cidade.

São problemas práticos cuja discussão é necessária para a construção de uma cidade melhor. “Por causa do pensamento utópico, a gente esquece rápido. E lembrar é importante”, disse, referindo-se às soluções adotadas na região portuária, que passa por intensa transformação, e onde foi feito um esforço para garantir naquela área espaço também para moradia. Citou também outras iniciativas no Centro que foram tomadas para atrair e aumentar a circulação de pessoas, como a retirada das grades da Praça Tiradentes, e a retirada da Perimetral. “Esse é um trabalho muito importante. Nossa relação com a Baía de Guanabara era muito cômoda: a gente passava de carro, dentro do ar condicionado, ouvindo música, e olhava distante para ela, sem relação com esse meio natural, que a gente tem quando anda do lado. Antes, a gente só tinha contato com a Baía por pouco mais de 200 metros, na área do Cais Pharoux (na Praça 15). Agora, isso vai aumentar para cerca de 3km, e isso é muito. Da mesma maneira, do ponto de vista econômico, a gente começou a reconhecer negócios tradicionais, como pequenos bares e restaurantes tradicionais, como patrimônio importante”, contou Fajardo, que encerrou a apresentação citando uma frase famosa de Shakespeare, na tragédia Coriolano: “O que é a cidade senão as pessoas?”

Debate “UTOPIAS DA CIDADE MARAVILHOSA” em frases

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Manter uma certa utopia e lidar com realidade são desafios que exigem grande esforço de quem pensa, vive e deseja sempre dias melhores para o Rio de Janeiro. Com o tema “Utopias da Cidade Maravilhosa”, o Rio de Encontros instigou várias reflexões na plateia, que durante três horas discutiu o assunto com os provocadores, o arquiteto e urbanista Washington Fajardo, presidente do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade, o sociólogo Marcelo Burgos e a designer e historiadora Isabela Perrota, na tarde de 27 de agosto, no auditório da ESPM. As frases a seguir dão uma pequena ideia de como foi fértil o encontro. A cobertura completa estará disponível aqui no blog em muito breve.


A UTOPIA

A cidade do Rio totalmente integrada em bairros e regiões é uma utopia?” – Leonardo Oliveira, parceiro do RJ.

A boa utopia é de uma cidade que seja mais plural” – Marcelo Burgos, sociólogo (PUC-RJ)

Necessitamos de utopias, de um projeto, de um sonho de onde a gente quer chegar. Estranho que em nenhum momento dessa conversa tenha se falado das forças que estão moldando o Rio de Janeiro, os grandes interesses que abandonam a ideia de cidade que nós queremos e prezamos tanto, que tem patrimônio maravilhoso e que está se perdendo aos poucos, com verdadeiros atentados urbanísticos que estão acontecendo” – Claudius Ceccon, arquiteto e conselheiro do Rio de encontros

A gente precisa de boas práticas, sistematizadas e documentadas, e não de coisas utópicas” – Washington Fajardo, assessor especial para assuntos urbanos da prefeitura do Rio de Janeiro.

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O RIO EM TRÊS TEMPOS: PASSADO, PRESENTE E FUTURO

Como a gente pensa na cidade maravilhosa do futuro? No debate do mês passado, a gente aprendeu que os rios estão todos mal cuidados. Quando a gente vai começar a depreciar o VLT, o BRT, e voltar a asfaltar tudo de novo? Como pensar no futuro das bikes, se quase não tem calçada para o pedestre andar?” – Marcão Baixada, rapper

Nesse pensamento da cidade do futuro, todas as obras têm o objetivo de trazer pessoas para o centro. E como estão sendo os projetos habitacionais para essa região?” – Rodrigo Miguez, comunicação ESPM-RJ

O conceito de cidade maravilhosa e dos cariocas como seres especiais parece que são irmãos. A persistência dessa imagem tem a ver com o fato de o Rio de Janeiro ter perdido o poder politico, ao deixar de ser capital? E como isso impactou a cidade como núcleo de uma metrópole?” – Anabela Paiva, mediadora

O Centro do Rio é o Centro do Brasil. Tiradentes foi preso ali, esquartejado lá, Dom Pedro promulgou a constituição aqui, o Cais do Valongo fica ali… A gente precisa desse lugar histórico. E também precisa de uma cidade polinucleada” – Washington Fajardo

Para quem é a cidade? Para o turista ou o morador? Santa Teresa, por exemplo, perdeu todas as padarias, que deram lugar a bares, restaurantes e outros serviços para o turista. Na prefeitura, há alguém pensando nisso? Há como administrar essa dualidade?” – Julia Michaels, jornalista

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A IMAGEM DO RIO

A prefeitura considera a favela como patrimônio da cidade? É um ambiente multirracial, multirregional, muito multi, com uma história de 450 anos de pura segregação” – Igor Soares, estudante de comunicação

A paisagem é um ícone da cidade e a gente tem percebido que a favela também tem se tornado um. Que sentido isto teria?” – Ilana Strozenberg, antropóloga (UFRJ)

De duas décadas para cá, a ‘turistificação’ da favela contribuiu para a patrimonialização dela também. E o que é o interesse turístico? O que é diferente. Por que o Rio fez tanto sucesso no século 19? Porque era muito diferente!” – Isabela Perrota, Designer (ESPM-RJ)

O Pão de Açúcar me pertence. Não preciso pagar para gostar. Sou carioca orgulhosa, que passa todo dia no Aterro e acha lindo!” – Denise Kosta, Universidade das quebradas.

O Rio é bonito mesmo. Esse é um valor que mesmo num território desigual a gente compartilha. Ainda é imperfeito, mas esse é um estímulo pra gente” – Washington Fajardo

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A Cidade Maravilhosa ajuda ou atrapalha nos movimentos de redução simbólica das diferenças? Como a cidade convive consigo mesma e suas tragédias?. No fundo, penso que é bom que todo mundo se sinta na mesma cidade – a Cidade Maravilhosa. E tem horas que acho que não, É uma desproporção abissal das tragédias que ocorrem em certos pontos da cidade e a reação que provocam. O Rio continua lindo, injusto, desigual, cruel, racista, preconceituoso” – Silvia Ramos, cientista social, Cesec.

Favela é patrimônio? Essa é uma pergunta fundamental. É um patrimônio afetivo, que reconhecemos hoje nos territórios informais. Mas a gente não pode ocultar os problemas e enfrentamentos que precisamos ter nos assentamentos informais. Precisamos colocar isso na ordem dos projetos urbanos” – Washington Fajardo.

Debate a “cidade e suas águas” em frases

Foi quente o debate sobre água no Rio de Encontros do dia 16/07, no Studio X. A seguir, algumas frases em destaque dos provocadores Pedro Rivera e Paulo Canedo e da plateia, no debate logo depois das apresentações.

As fotos são de Davi Marcos, agência imagens do povo.

O RIO E A ÁGUA

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A cidade do Rio se construiu nesse embate com as águas, que têm uma importância enorme na conformação urbana e na maneira de ser da cidade – Ilana Strozenberg

Diferente do que a gente imagina, a paisagem do Rio é muito construída, não é natural. A linha costeira do Rio de Janeiro é artificial. Nossa cidade é construída em cima das águas, desmontando morros, fazendo aterros. Para produzir essa geografia, é uma história de embate do homem com a natureza. Como o homem é parte da natureza, a alteração que produz passa a fazer parte dela também. – Pedro Rivera

Para mim, o arquiteto mais importante da cidade é um paisagista, o Burle Marx, que desenhou nossa orla, projeto de um homem, que conseguiu ter uma excelência tão grande como a natureza – Pedro Rivera

Quando a gente vê o mapa dos morros e dos aterros do Rio, é muito fácil entender porque a gente sofre dos males que sofre – Pedro Rivera

CRISE HÍDRICA

A gente vive uma crise hídrica, que São Paulo está só um pouco mais à frente. Mas a gente vai ter problema para tomar banho também – Pedro Rivera

Em 2013, os meteorologistas diziam que 2014 parecia ser um ano seco. Quem tem o mínimo de prudência deveria avisar todo mundo e começar um racionamento. São Paulo não procedeu assim. Pelo contrário. Negou. E não deu certo – Paulo Canedo

ABASTECIMENTO DO RJ

Mais da metade do Estado do Rio de Janeiro está dentro da bacia do Paraíba do Sul. A capital não tem água. Ainda assim, o Paraíba do Sul não é capaz de atender todos os demandantes – Paulo Canedo

A água do Paraíba do Sul é do brasileiro. Deus fez o rio para o mundo. Todo brasileiro tem direito.- Paulo Canedo

HIDRELÉTRICA

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Aquela obra da hidrelétrica dos anos 1940 que gerou a CEDAE, era importante para aquela época. Não tem importância nenhuma para 2015. Hoje, essa lâmpada aqui pode estar sendo acesa com luz produzida no Sul ou na Amazônia. A energia brasileira é nacional, e não mais local. O Brasil é um sistema interligado que é um dos nossos orgulhos – Paulo Canedo.

SANEAMENTO

Cada um tem um mantra na vida e eu não vou dormir em paz se não passar o meu pra vocês, que é sobre o saneamento: o Brasil tem 56,5 milhões de casas. 85% delas têm cano de água potável chegando nela. Dessas, 48,9% têm cano de esgoto saindo, sem coleta. Em nenhum país minimamente decente tem esse número menor que 95%. Peru, Paraguai, Argentina, Colômbia, todos os países da América do Sul são melhores que o Brasil, que é mais rico. Ou seja: isso não é falta de riqueza, mas de vergonha. – Paulo Canedo

A maior estação de tratamento do Rio é a do Fundão, que coleta o esgoto do Centro, mas os canos não chegam lá. Por isso, a Baía de Guanabara é o que é e nossos corpos hídricos são o que são.- Paulo Canedo

No Borel, todos os canos passam por valas e valões. Não preciso ser sanitarista ou engenheiro para entender que isso é um absurdo. Já teve caso de hepatite por causa de água misturada com esgoto. – Igor Soares

TRANSPORTE PELA ÁGUA

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Como você vê o transporte para o futuro? A Baía de Guanabara é subutilizada nesse ponto, por vários municípios, como São Gonçalo, que não tem bom transporte. Há alguma saída para o transporte utilizando a Baía de Guanabara? – Gê Vasconcelos – Norte Comum/Maré

Meu avô tinha um loteamento em São João de Meriti e minha avó falava pra gente que os barcos chegavam ali. Voltar ao passado não é regredir, mas é voltar para o futuro. Fui alimentada com água de chuva e nascente. – Lia

REVITALIZAÇÃO & REFLORESTAMENTO

Se a gente conseguiu fazer reflorestamento na segunda metade do século 19, não tem argumento de que não se possa fazer isso hoje. As dificuldades são maiores, mas os recursos também – Pedro Rivera

E a revitalização dos rios Botas e Sarapuí? Vocês acreditam em alguma solução? Boa parte do esgoto é despejado nesse rio da Baixada, que transita por vários municípios de lá e do Rio. Existe essa cooperação entre os municípios e governos para tratar esses rios? – Marcão Baixada – Enraizados

ÁGUA NAS FAVELAS

Conheci seu Zé Mineiro, um dos primeiros manobristas de água no Alemão. Ele conhece cada cano. Na favela, os gestores da água são os manobristas. Foi um mutirão da época do Lacerda que botou água lá e depois as pessoas foram puxando para suas casas. Uma das pessoas que entrevistei disse para mim que ela era muito rica porque tinha água em casa. ‘Antigamente, a gente andava quilômetros até a Penha para conseguir água’, ela me disse. E o Alemão tem 200 mil pessoas vivendo lá e sempre tem água – Helcimar Lopes – Complexo do Alemāo

COLETA ALTERNATIVA

Pela CONAMA, parece que a gente não devia nem andar na chuva. Mas a gente pode diminuir a demanda de água potável, utilizando a coleta de água de chuva, que pode ser muito viável. – Pedro – Coletivo Águas de Março

Há formas alternativas de coleta de água. O telhado do Aeroporto Santos Dumont é preparado para coletar água de chuva e grande parte da água do aeroporto vem dessa coleta.- Juliana de Carvalho – produtora cultural

RIO CARIOCA

Queria fazer um apelo a todos: o Rio Carioca tem 4,5 km de comprimento e grande parte dele é coberta. Vamos descobrir o rio como parte das comemorações dos 450 anos, e vamos ajudar quem quer que seja para fazer isso – Leona Formam

CEDAE

A CEDAE diz que passou oito anos ou mais saneando suas finanças. Conseguiu um prédio maravilhoso e, por isso, não conseguia empréstimo para investir no sistema de distribuição de água. E por isso a manutenção não tem sido feita também. O senhor acredita nisso? – Julia Michaels

Caixa d’água só tem no Brasil. É jabuticaba, invenção de Dom João. Se a CEDAE interromper o fornecimento, ninguém aqui sabe. Quem conversa com a CEDAE é a caixa d’água. Não temos controle social sobre a CEDAE, SABESP e equivalentes – Paulo Canedo

Mas tem a questão da universalização, como se todo mundo tivesse acesso à agua, o que é falso. Em Caxias, na Baixada Fluminense, não tem cano da CEDAE. Se falar disso sem falar que uma galera não tem acesso à água, a gente reproduz desigualdade. E sobre o saneamento, a grande saída do governo do estado é fazer Parceria Público-Privada, a PPP, na Baixada e no Leste Metropolitano. É uma boa saída resolver a questão do saneamento assim? Henrique Silveira – Casa Fluminense

Binho Cultura: das raízes às novas histórias da Zona Oeste

“Dom Pedro foi a Santa Cruz a cavalo muito mais do que qualquer outro governante de helicóptero”. Esta foi uma das muitas frases inspiradas que marcaram a participação de Binho Cultura, poeta, cientista social e criador da Flizo – Festa Literária da Zona Oeste, um dos debatedores convidados para o Rio de Encontros sobre “Subúrbios cariocas, ontem e hoje”, no auditório da ESPM. Dizendo que foi um choque quando descobriu que não era considerado suburbano, porque morava numa área tida como rural, Binho, criado na Vila Aliança, em Bangu, afirmou categórico: “quem desconhece a Zona Oeste está desconhecendo uma parte linda da história do país”.

Conhecer seu lugar de origem e escrever sua história são como mantras na fala de Binho Cultura, criador do Centro Cultural A História que eu Conto, título de seu livro lançado pela Aeroplano Editora, em 2013. Durante o Rio de Encontros, Binho apresentou também seus livros infantis – “Aninha, a Peixinha Bailarina”, “Não Existe Bicho Papão” e “O Menino que Lia”, lançados em conjunto, na Coleção Amigoteca. “É importante a gente ir às escolas e projetos sociais da nossa comunidade para as crianças verem que um cara preto e com cabelo duro como elas pode escrever. Para as crianças, o escritor é branco, velho e é morto”.

Lidar com estigmas: uma tarefa constante

Cabelo grande enrolado em dreadlocks estilosas, colar de contas grandes no pescoço, o evangélico Binho Cultura chama atenção pelo que diz e a forma como se apresenta – e sabe que seu estilo pode ter o poder de influenciar e inspirar outras pessoas, especialmente os mais jovens. “Meu cabelo é aceito hoje, mas muitas vezes já me mandaram cortar”, lembrou ele, citando alguns dos enfrentamentos pelos quais passou (e continua passando). “Quando você fala de onde é, as oportunidades acabam se afunilando. Quando falo que moro em Bangu, associam ao presidio. Há pessoas que pensam que Campo Grande é na Baixada. Tem gente q me pergunta: você vem pro Rio hoje? Como assim? Investigar e contrapor tudo isso foi um grande desafio para mim e continua sendo”, diz.

Super articulado, Binho reforçou para a plateia a importância de se fazer redes de colaboração entre produtores, articuladores e agentes culturais da cidade. “Não acredito em cultura para todos se a gente não compartilha conhecimento. Vocês não são meus concorrentes. Precisamos fazer redes, compartilhar conhecimento, convidar e comparecer ao evento do outro”, disse ele, revelando ainda que a estratégia que adota é a do “efeito bumerangue”: “fui lançado de lá da Zona Oeste, venho aqui, acerto o alvo e volto. E chamo as pessoas para irem lá também. Desse jeito a gente começou a realizar o contrafluxo”.

Êxodo cultural: uma questão nas periferias

Binho se empolgou tanto durante o encontro que depois da primeira rodada das falas iniciais, responder de pé às perguntas da plateia do Rio de Encontros, que, entre outras, apresentou várias questões a respeito da produção cultural nas zonas Norte e Oeste da cidade.

Classificando como “êxodo cultural” o fenômeno que observa na região em que mora, Binho não teve dúvidas ao afirmar que “a favela e a periferia é lugar de quem está tentando. Quem consegue, se muda”. Criar condições para que esse êxodo diminua (ou deixe de existir) e seja possível ao produtor cultural se manter em seus lugares de origem é um dos desafios a enfrentar. Não só este: circular pela cidade também é uma tarefa que exige grandes esforços.

“Hoje o meu trabalho é reconhecido, mas o sacrifício é muito grande. Vou aos lugares, mas voltar para a Zona Oeste, dependendo do horário, é complicado. A extensão do horário de funcionamento do trem, que para às 21h/22h, já seria muito bom. Se parasse de circular meia-noite, ajudaria até para o cara que sai da faculdade parar até no barzinho antes de voltar para casa”, disse ele.

O papel central da cultura na política pública

Ativista político, Binho Cultura tratou de temas delicados com a plateia, como as dificuldades que ele sabe que surgem quando muitos moradores dizem o lugar em que vivem, o preconceito que sentiu por conta do penteado e dos adereços que usa, da religião que professa, do lugar em que mora. Para tudo isso, ele tem uma estratégia de combate: conhecer a própria história e reescrevê-la. “A gente precisa conhecer a história, nossas raízes. Pertencimento é reconhecer sua origem, e valorizar sua história. Se índios, negros e negras tivessem oportunidade de escrever a nossa historia, ela seria diferente da que a gente está aprendendo na escola”.

Para Binho, é fundamental e determinante o papel que os produtores e agentes culturais desempenham hoje no Rio de Janeiro: “Se não fôssemos nós, a violência estaria muito pior nessa cidade”, afirmou, aplaudido pela plateia. E foi além, colocando a área da cultura como indispensável no debate político atual: “Não tem como fazer política pública sem a gente. Não existe pacificação sem nós”, disse.

Links que podem interessar:

Flizo – Festa Literária da Zona Oeste: http://flizo.org/

Perfil de Binho Cultura: http://oglobo.globo.com/cultura/binho-cultura-pai-da-festa-literaria-da-zona-oeste-10995693

Um mundo de gente

Foto de Kita Pedroza

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A edição de junho do Rio de Encontros foi, possivelmente, a mais cheia e animada da história do evento. O tema Mídia nas Favelas atraiu muita gente que participa de projetos comunitários de comunicação e pessoas de outras áreas que se interessam pelo tema. Assim, o esquema do debate – ter iniciadores do palco, mas enfatizar o diálogo entre todos na plateia – nunca fez tanto sentido.

Já no café da manhã, diversos jovens comunicadores se espalhavam pelo salão, conversando animadamente. Alguns também preparavam suas câmeras e gravadores para registrar o evento. O papo, mediado com desenvoltura pela jornalista d’O Globo Flavia Oliveira, contou com iniciadores tarimbados: Guilherme Canela, diretor de comunicação da Unesco; Marisa Vassimon, gerente de mobilização comunitária do Canal Futura, e Mayra Juca, coordenadora de comunicação do Viva Rio e do Portal Viva Favela.

Pelas cadeiras do auditório da Casa do Saber estavam alguns dos principais responsáveis pelo enorme crescimento da mídia popular em áreas diversas da cidade (seja favelas, subúrbio ou Baixada): Dudu de Morro Agudo, do grupo Enraizados; Eliana Souza, da Redes da Maré; Fiell, Zé Mário e Francisco, da Rádio Comunitária do morro Santa Marta; Maria do Socorro, do Portal da Cidade de Deus; Don, fotógrafo e blogueiro da Cidade de Deus; Lana, Thiago e Gisela, parceiros do RJTV; Marina e Luiza, do Núcleo Piratininga de Comunicação; Milton Quintino, do Correspondentes da Paz; Luiz Henrique Nascimento, do Observatório de Favelas; João Roberto Ripper, da Agência Fotográfica Imagens do Povo; Julia Michels, do Rio Real Blog; Jean Jacques Fontaine, do Projeto Jequitibá. Todos contaram um pouco de suas experiências e viram muitas semelhanças em suas trajetórias, tanto nas coisas boas quanto nas dificuldades.

E eles não foram os únicos a pedir a palavra. Leona Forman, da Brazil Foundation, contou que está trabalhando na abertura de um fundo carioca, para receber doações para projetos sociais da cidade. E Guilherme Amado, jornalista do Extra, fez um desabafo em relação à vilanização a que sua classe é submetida frequentemente, gerando o momento mais quente do debate.

Nos próximos posts, mais detalhes da conversa.

A mídia na berlinda

Gustavo, Rene, Anabela, Fernando e Marcelo:de olho no jornal 'A voz da comunidade' (Foto: Alex Forman)

O tema da quinta edição do Rio de Encontros foi escolhido de modo colaborativo, a partir de enquete com a plateia das discussões anteriores. A mídia foi o assunto mais solicitado. A julgar pelas últimas discussões sobre liberdade e limites da imprensa nessas eleições, trata-se de fato de um assunto polêmico.

Os iniciadores do papo não se inibiram em apresentar dúvidas, erros e autocríticas. Marcelo Moreira, editor da segunda edição do RJTV, da Rede Globo, por exemplo, reconheceu limites. “Às vezes estamos indo para um caminho errado e não sabemos. A internet ajuda, mas ainda não sabemos explorar o retorno”. Fernando Molica, titular da coluna Informe do Dia, deu outro exemplo: “A cobertura do mundo evangélico é 100% preconcetuosa, eles são sempre os fanáticos. O cara parou de beber, parou de espancar a mulher, e é como se isso não importasse”. Para ele, hoje a credibilidade do jornalista está ameaçada, o que pode ser bom. “Temos que provar nossa relevância”.

Gustavo de Almeida, que já cobriu muitos assassinatos e hoje lidera a assessoria de comunicação da PM, reconheceu que o jornalista muitas vezes ajuda a fortalecer os estereótipos: “Acontecia de eu ligar para o comandante e perguntar: o cara que morreu era bandido? Como se isso justificasse. Também está errado”. Rene Silva, que faz um jornal comunitário no Complexo do Alemão desde os 11 anos (hoje tem 16) sabe bem o que é ler matérias em que falta apuração. “A imprensa trata o Alemão da maneira ditada pelas notas enviadas pelo governo. Podem falar que um curso pré-vestibular está funcionando porque a assessoria afirmou isso, mas na prática não está”.

O que vem por aí…

Os próximos encontros já estão sendo articulados:

* Acabamos de fechar o quarto, que será realizado no dia 25 de agosto. Com o nome “Pra além da cultura do medo: diversidade e circulação entre os territórios da cidade”, ele terá iniciadores que estão sempre atentos ao desafio de usar a cultura para diminuir a desigualdade no Rio de Janeiro: o diretor e roteirista Rafael Dragaud, o diretor teatral e produtor cultural Marcus Vinicius Faustini, o ator e professor do grupo Nós do Morro Luciano Vidigal e o arquiteto Claudius Ceccon, um dos fundadores do Centro de Criação de Imagem Popular (CECIP). Para ver mais detalhes do currículo dos participantes, veja a página de programação.

* No dia 15 de setembro, uma edição especial do evento será realizada. O grupo de agitadores culturais que está tramando o Museu do Encontro, capitaneado por Regina Casé, vai explicar como o espaço pretende unir a periferia e a cidade economicamente viável.

* Os dois últimos encontros do ano têm uma característica especial. Seus temas foram escolhidos por enquete pela plateia do evento sobre informalidade, realizado em julho. Em outubro, a ideia é falar sobre mídia, sua atuação e seu impacto nas notícias sobre a cidade. Em novembro, a religiosidade e sua ligação com cidadania e política serão o tema do debate. Ainda estamos fechando as datas e o local, por isso, fiquem de olho no blog!

Informalidade econômica e urbanística

Manoel lê seu texto de abertura e ganha a atenção de Fabio de Oliveira (Foto: Alex Forman)

Manoel Ribeiro abriu os trabalhos lendo este texto de sua autoria:

O Observatório da Pobreza das Nações Unidas prevê que em 2020 45% ou 50% da população urbana do planeta será composta por pobres.

No relatório da ONU – UN-Habitat, prevê-se que, na África, durante a próxima década, o setor informal absorverá 90% dos novos trabalhadores urbanos.

Só na América Latina, a economia informal ocupa 57% da força de trabalho e oferece 4 em cada 5 novos empregos.

A partir da década de 1980, o emprego informal cresceu 5 vezes mais que aqueles do setor formal, transformando a sobrevivência derivada do setor informal numa forma de vida da maioria da população das cidades do terceiro mundo.

Na Rússia contemporânea, uma nova categoria de empresas que super-exploram a mão de obra, consideradas muitas vezes a vanguarda do capitalismo pós-liberal, aproveitam-se da mão de obra ilegal (vinda dos antigas satélites soviéticos) a quem
podem pagar salários irrisórios e amontoar trabalhadores em alojamento esquálidos. Pesquisadores Russos estimam que esse tipo de mão de obra representa 40% da economia formal.

Ao contrário do que preconizava Marx, o exército de reserva, que esperava sua incorporação ao processo produtivo, se vê transformado num excedente permanente, um peso excessivo que nem a sociedade nem a economia tem condições de absorver,
nem agora, nem num futuro imaginável. Mas, os pobres reagem à lógica do mercado que os condena ao desaparecimento,
com uma economia de resistência, que acaba sendo incorporada marginalmente à economia formal.

Não existe mais uma dicotomia entre formal e informal. Essas duas categorias formam um “continuum”. A chamada “flexibilização do trabalho” é uma criação da economia globalizada e absorve vários aspectos da informalidade (por exemplo: cooperativas fajutas
para evitar os custos da formalidade). Seguindo a cartilha neo-liberal, o trabalho informal não tem contratos de trabalho, direitos trabalhistas, regulação púbica e sindicatos. Continuar lendo