O que podemos fazer juntos?

Na hora de dialogar com a plateia, tantas eram as questões que seria possível ficar mais uma hora conversando. A história de Alexandre Brasil fez Regina Novaes – que foi sua orientadora de mestrado – lembrar que boa parte das grandes lideranças brasileiras começaram suas trajetórias em movimentos religiosos.

Por outro lado, ela acredita que é preciso ter objetivos claros ao tentar promover o diálogo entre religiões. “O mundo religioso é um campo de disputa entre verdades e dogmas. Não se pode esperar que o ecumenismo dê certo. Mas reconhecer isso não é simplificar, você pode concordar parcialmente, é uma negociação constante. A pergunta é: o que podemos fazer juntos? Diversidade se transforma em moeda de troca, e muitos esperam que fique mais homogêneo, o que é errado.”

Diálogo e orações conjuntas

Alexandre Brasil começou a frequentar a igreja como moeda de troca para a mãe deixá-lo sair à noite. A conversão de verdade veio do nada aos 15 anos, no chuveiro, num batismo involuntário. Apesar de ter estudado em colégio católico, tornou-se presbiteriano e passou a atuar como evangelizador. Filho de mãe evangélica e pai batista, não pensava que a fé também estaria relacionada com sua vida acadêmica. Mas ganhou uma bolsa de iniciação científica para recolher matéria-prima para a tese de um professor sobre religião, por pura coincidência. Formou-se em Ciência Sociais na UFRJ e fez mestrado na mesma universidade, com dissertação sobre evangélicos e a mídia. O doutorado foi na Universidade de São Paulo, com tese sobre Pluralismo Religioso e Democracia no Brasil.

Ainda assim, contou que sempre teve que camuflar um pouco seu lado religioso nas conversas acadêmicas. No Rio de Encontros, entretanto, foi justamente sua história espiritual (e a militância resultante dela) que mereceu atenção. No começo da década de 1990, ele foi um dos pesquisadores do primeiro censo evangélico. Depois, em diversos movimentos e instituições, destacou-se como um líder capaz de promover diálogos entre membros de diferentes religiões. Em um deles, a Rede Fale de Defesa de Direitos, onde a oração conjunta por causas comuns une jovens de diferentes filiações e credos. Continuar lendo

Fé e maniqueísmo: combinação explosiva

“Se existe oportunismo, existe também transformação”. A frase de Regina Novaes resume a complexidade que deve ser levada em conta na análise da atuação social das religiões evangélicas. Por muito tempo o vínculo com essas igrejas ajudava as pessoas no ir e vir das favelas. Até mesmo o polêmico dízimo tem sua função, na visão da pesquisadora. “Ele tem seu papel. Quem critica tem que entender que as pessoas negociam, não é um bando de idiotas, muitas vezes há uma estratégia de inserção social. Claro que há problemas, mas temos que escutar as pessoas antes de questionar sua fé”.

Outro exemplo significativo dado por Regina para bagunçar convicções vem da Igreja Universal do Reino de Deus. “Nessa sociedade machista em que vivemos, a IURD indica a vasectomia. Trata dessa questão seríssima da natalidade. Essa discussão sobre progressista e conservador é bem mais complicada do que parece”. A mesma igreja, ao demonstrar intolerância com as religiões afro, acaba aumentando a visibilidade destas últimas.

Apesar de tantos problemas inegáveis, como a intolerância nas escolas, Regina é otimista. Acha que os tempos de hoje se afastam cada vez mais da padronização. “Existe hip hop gospel, funk católico. É apropriação capitalista? É. Mas são personagens fortes. Não dá para ter medo de pausterização: quando você vê uma homogeneização, começa algo novo que bagunça tudo”.

Os sem religião, os pluri-religiosos e a árvore evangélica

Se o ser e o crer estão separados em nossa sociedade complexa, a verdade é que muitas vezes a identidade está ligada ao crer. Regina Novaes lembrou que na sua geração, por exemplo, o marxismo substituiu a crença religiosa para muita gente (mas que depois muitos de seus colegas assumiram que iam à missa). A duplicidade de religiões é corriqueira no Brasil, com muita gente se definindo no censo como “católico e do candomblé” e outra parcela experimentando religiões diferentes sem preocupação. “Conheci uma pessoa de 24 anos que já foi católica, tinha ido no Santo Daime, em reuniões kardecistas… O brasileiro tem tendência ao trânsito religioso”.

A Igreja Católica deu o tom de nossos primeiros séculos, influenciando o desenho urbano das cidades (vide a Igreja da Penha, no alto), e dando cartas importantes mesmo depois da separação do Estado, com as santas casas e a educação religiosa nas escolas.

As estatísticas sobre religião não são 100% confiáveis (nem todos os adeptos de religiões afro-brasileiras se sentem à vontade socialmente para declarar isso, por exemplo). Ainda assim, com o tempo foi possível constatar mudanças: a diminuição do catolicismo, o aumento do número de adeptos do protestantismo petencostal e dos “sem religião”. Este último grupo, para Regina, merece ser mais estudado. Ele costuma ser taxativo no repúdio às instituições religiosas. “Mas se a segunda pergunta é ‘Você tem fé?’ a resposta costuma ser sim”. Se autores clássicos como Weber, Marx e Durkheim previram uma tendência à dessacralização, o que se viu nas décadas seguintes foi uma realidade mais complexa. Continuar lendo

Bagunçando certezas

Silvia Ramos apresenta Alexandre Brasil e Regina Novaes

Silvia Ramos apresentou a última edição de 2010 do Rio de Encontros explicando que o objetivo do evento era fazer as pessoas saírem de seus eixos, com pautas novas. Pois bem, depois de debates sobre meio ambiente e urbanismo, UPP, informalidade, cultura, mídia (além de uma edição especial sobre o Museu do Encontro), a conversa entre a antropóloga Regina Novaes e o sociólogo presbiteriano Alexandre Brasil sobre religião foi, provavelmente, a que mais foi feliz em bagunçar certezas.

Isso por uma coleção de fatores. Por ser uma questão que une o ser e o crer, como lembrou Regina Novaes. Por não ser possível “contabilizar” a fé dos outros. Talvez por tudo isso, a religiosidade dê margem aos piores episódios de intolerância. Nunca a palavra “preconceito” teve tanto sentido, pois raramente há diálogo. Vale lembrar que em um Rio de Encontros anterior, sobre mídia, o jornalista Fernando Molica foi taxativo: “A cobertura sobre evangélicos nos jornais cariocas é 100% preconceituosa”.

As cerca de três horas de conversa mostraram que o buraco é mais embaixo. E as falas dos dois iniciadores foram bem complementares: Regina, que é professora do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e foi editora da revista Religião e Sociedade por 10 anos, deu uma verdadeira aula em que partiu de uma definição filosófica da crença para depois tratar da situação do Brasil e do Rio. Alexandre Brasil, doutor em sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), fez um relato mais pessoal, mostrando por meio de sua experiência como há uma pluralidade de personagens, militâncias e debates no mundo evangélico.

O que vem por aí…

Os próximos encontros já estão sendo articulados:

* Acabamos de fechar o quarto, que será realizado no dia 25 de agosto. Com o nome “Pra além da cultura do medo: diversidade e circulação entre os territórios da cidade”, ele terá iniciadores que estão sempre atentos ao desafio de usar a cultura para diminuir a desigualdade no Rio de Janeiro: o diretor e roteirista Rafael Dragaud, o diretor teatral e produtor cultural Marcus Vinicius Faustini, o ator e professor do grupo Nós do Morro Luciano Vidigal e o arquiteto Claudius Ceccon, um dos fundadores do Centro de Criação de Imagem Popular (CECIP). Para ver mais detalhes do currículo dos participantes, veja a página de programação.

* No dia 15 de setembro, uma edição especial do evento será realizada. O grupo de agitadores culturais que está tramando o Museu do Encontro, capitaneado por Regina Casé, vai explicar como o espaço pretende unir a periferia e a cidade economicamente viável.

* Os dois últimos encontros do ano têm uma característica especial. Seus temas foram escolhidos por enquete pela plateia do evento sobre informalidade, realizado em julho. Em outubro, a ideia é falar sobre mídia, sua atuação e seu impacto nas notícias sobre a cidade. Em novembro, a religiosidade e sua ligação com cidadania e política serão o tema do debate. Ainda estamos fechando as datas e o local, por isso, fiquem de olho no blog!