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A arte está no coração do que nos torna humanos. É por isso que, em uma era de construção de muros e de culpar o outro, é essencial que a expressão cultural seja livre e valorizada. Toda história conta, mas nem toda história recebe a atenção que merece.
O YCreate é uma plataforma para conectar a próxima geração com histórias extraordinárias e diversas perspectivas de pessoas criativas de todo o mundo.
Esta entrevista foi concedida ao YCreate pelo Maurício de Silva de Lima, um dos artistas criadores que participou do processo formativo “Transformando Ideias em Ação”, uma oficina de desenvolvimento de projetos voltada para jovens empreendedores culturais que atuam em bairros populares do Rio de Janeiro. Seu projeto “Museu dos Meninos” recebeu uma bolsa do Prince Claus Fund da Holanda. Parabéns Maurício!
Partindo da rede do Prince Claus Fund, o YCreate explora a paleta humana de sonhos, medos e motivações com uma pergunta-chave: por que você cria? Diante da crise de Covid-19 no Brasil, artista e fundador do Museu dos Meninos , Maurício da Silva de Lima reflete sobre como é ser um artista no Brasil, suas inspirações e aspirações.
Mauricio, por que criar?
Eu crio por necessidade. Crio pra me manter vivo. E crio também por rebeldia. Quando se nasce pobre, preto, dentro de uma favela, ser artista é uma afronta. Eles querem te fazer acreditar que o seu ‘futuro’ existe antes mesmo de vc nascer. Depois querem que você acredite que a arte é supérflua. Que ser artista é um privilégio e que isso não é pra você (e de fato, para algumas pessoas ser artista é um privilégio sim). A sociedade tenta diariamente me convencer que esse não é meu lugar. Mas eu crio, repito, por rebeldia, porque acredito que o lugar das coisas pode ser diferente. A criação pra mim é um direito irrevogável e um exercício político necessário.
Quem o inspira no seu trabalho?
A minha ancestralidade e todos aqueles que vieram antes de mim e que abriram o caminho por onde ando hoje são a minha maior inspiração. Todas as questões ético-estéticas relacionadas à negritude contemporânea, suas identidades e ancestralidades. A complexidade e diversidade cultural brasileira. E a fé que tenho no corpo e na palavra. Tudo isso me move, inspira e tem guiado meus trabalhos.
Como é ser artista no Brasil?
Ser artista no Brasil é cansativo. É um trabalho diário, constante e muito árduo. A gente vive em uma sociedade que tem a educação, a cultura e a arte como inimigos. A arte é uma ferramenta que empodera o indivíduo. E um indivíduo empoderado, criativo, capaz de refletir e olhar pro mundo de forma crítica, e capaz também de transformar o coletivo no qual está inserido, é uma ameaça para o Estado. O artista hoje no Brasil é um inimigo público porque a arte é um convite ao pensamento mas o que o Estado quer é uma sociedade que não pense.
Como você está lidando com a situação e os eventos da Covid-19 no Brasil?
Tem sido dias difíceis aqui. A situação traz muitos medos e incertezas sobre o futuro. Nós aqui temos lutado contra um vírus e contra um verme chamado Jair Bolsonaro.
Enquanto a maior parte da população luta contra o corona virus, respeitando o isolamento social, o presidente defende o fim da quarentena, diz que o coronavírus é apenas uma gripezinha – além da demora na implementação de medidas emergenciais ineficientes para saúde e apoio a população pobre. Declarações como a de Bolsonaro podem fazer com que o nível de mortalidade no Brasil seja muito grande. Por exemplo, nas favelas é comum uma família de 6 pessoas viverem em uma casa com apenas 3 cômodos, com pouca ou nenhuma ventilação. Muitas pessoas são obrigadas a trabalhar para não serem demitidas. Muitas pessoas possuem trabalhos informais e não vão ter dinheiro para comida. Não há política pública que acolha a nossa complexidade social. O cenário que se desenha é assustador. As atitudes de Bolsonaro perpetuam o genocídio contra a população preta, pobre e favelada.
Isso tudo tem gerado uma tensão que tenta me paralisar. Os dias se tornaram uma batalha contra para manter o corpo e a alma saudáveis. Fora isso, tenho conversado com o silêncio da cidade. Tentado perceber a mudança sutil no movimento na Terra. Desacelerar. Tudo com uma única certeza: vai passar.
Tendo em mente a atual crise de coronavírus e a resposta de Bolsonaro a ela, você acha que os criadores têm um papel no ativismo sócio-político?
Tenho certeza. O artista é um profissional que está inserido na sociedade tal qual o médico, o professor, o engenheiro, o padeiro… A arte é como a educação, ela opera num lugar muito potente do indivíduo: a subjetividade e o senso crítico.
Como você lida com as adversidades?
Eu sempre tento lembrar que não é nada pessoal. Desde de muito cedo eu lido com isso. Adversidades. Elas me ensinaram a dançar. Eu diria então que eu lido com as adversidades dançando. Transformando a morte em pulsão de vida.
Qual é o seu sonho?
Eu tenho muitos sonhos. Muitos. Nesse momento quando penso em sonho, penso inevitavelmente em futuro. E ai eu respondo que o meu sonho é ser respeitado e poder ter uma vida com mais dignidade, trabalhando com o que eu eu escolhi e com o que acredito.
Que conselho você daria a seu eu de 16 anos de idade?
Pega leve com você mesmo – o mundo já é duro demais. Se ame! Ocupe os espaços que você deseja e acredite em você e nas suas ideias. Novamente, se ame. E acredite: seu cabelo é lindo, cuide dele senão ele vai cair rápido. (risos)
Veja mais do trabalho de Mauricio no Museu dos Meninos – um projeto transdisciplinar que mapeia, coleta e preserva as narrativas e memórias de 30 jovens negros no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, Brasil. Consiste em um museu virtual de entrevistas em vídeo com esses homens, juntamente com uma série de intervenções públicas nas ruínas de casas nas favelas que foram destruídas para dar lugar a uma rodovia. Nesse museu, esses jovens exercem o direito irrevogável de serem os narradores de suas próprias histórias.